A Influência das Redes Sociais no Brexit: O Papel do Estado Profundo na Disseminação de Fake News

Autoria por Jessica Hubner, vice-presidente da ANAPRI.

Revisado por Elaine Silva da Luz, coordenadora de comunicação e redação da ANAPRI.

Introdução
O referendo do Brexit de 2016 representou um momento de intensa divisão no Reino Unido,
com implicações sociais, políticas e econômicas que ultrapassaram as fronteiras do país. Em
seu livro Estado Profundo, Ian Fitzgerald (2020) argumenta que forças ocultas – o chamado
“estado profundo” – desempenharam um papel estratégico na manipulação da opinião pública
a favor da saída do Reino Unido da União Europeia (UE). Este artigo explora como as redes
sociais foram utilizadas para disseminar fake news e criar um ambiente de polarização e medo
entre a população britânica, além de analisar as consequências do Brexit para a comunidade
britânica e para o cenário internacional.
1. O Conceito de “Estado Profundo” e sua Influência em Processos Democráticos
O “estado profundo”, como descrito por Fitzgerald, refere-se a uma rede de interesses
composta por figuras políticas influentes, elites econômicas e membros de serviços de
inteligência que buscam preservar seu poder e influência, muitas vezes operando fora
dos mecanismos oficiais do governo. Essa rede utiliza meios não convencionais para
moldar decisões de interesse público e garantir a manutenção de certos privilégios. No
contexto do Brexit, esses interesses ocultos tiveram forte atuação nas redes sociais,
onde os limites tradicionais de transparência e regulação são menos claros
(FITZGERALD, 2020).
Em anos recentes, o uso de estratégias não visíveis publicamente para influenciar
eleições e referendos tornou-se uma ferramenta poderosa para o estado profundo. No
caso do Brexit, estudos mostraram que grupos com interesses financeiros e políticos
investiram em campanhas que exploravam vulnerabilidades sociais e psicológicas dos
eleitores britânicos. Um relatório da Universidade de Oxford, por exemplo, revelou
que a desinformação e o medo foram usados para amplificar temas polêmicos, como
imigração e segurança nacional (FERRARA, 2017). Esses temas, distorcidos por
informações falsas, minaram o debate democrático e orientaram a opinião pública em
direção ao voto pela saída da UE.

2. As Redes Sociais como Ferramenta para a Manipulação de Massas
Redes sociais como Facebook, Twitter e YouTube foram essenciais para amplificar as
mensagens do estado profundo e disseminar fake news. Em 2018, a Cambridge
Analytica, uma empresa de análise de dados, foi exposta por utilizar informações de
milhões de usuários do Facebook sem consentimento para influenciar o
comportamento dos eleitores. A Cambridge Analytica colaborou com campanhas do
Brexit, direcionando anúncios específicos para grupos vulneráveis a temas sensíveis,
como economia e imigração (CADWALLADR; GRAHAM-HARRISON, 2018).

A proliferação de bots e contas falsas também contribuiu para a disseminação de fake
news, criando uma sensação de urgência e medo. Pesquisadores da London School of
Economics apontaram que, durante o período que antecedeu o referendo, milhares de
contas automatizadas disseminaram informações exageradas ou falsas, aumentando a
polarização entre os eleitores e gerando desconfiança em relação à UE (HOWARD et
al., 2016). Essa manipulação digital, conforme explica Fitzgerald (2020), subverteu o
debate democrático, promovendo uma narrativa calculada que apelava às emoções dos
eleitores e ofuscava as informações factuais.

3. Consequências do Brexit para a Comunidade Britânica
Após o Brexit, o Reino Unido enfrentou uma série de desafios econômicos e sociais
que impactaram diretamente sua população. A saída da UE resultou na implementação
de tarifas sobre produtos exportados e importados, o que aumentou o custo de vida
para os britânicos e reduziu as oportunidades de negócios no mercado europeu. Em
termos econômicos, a incerteza pós-Brexit levou diversas empresas a se deslocarem
para países da UE, causando perda de empregos e uma desaceleração econômica em
várias regiões do Reino Unido (FROST; YOUNG, 2021).
Além dos impactos econômicos, houve também efeitos sobre a mobilidade e os
direitos dos cidadãos britânicos. Muitos britânicos que moravam em países da UE
perderam seu direito de permanência automática, o que complicou questões de
trabalho, saúde e educação para esses indivíduos e suas famílias. Estudantes britânicos
perderam o acesso ao programa de intercâmbio Erasmus, que oferecia oportunidades
de estudo na Europa. As dificuldades de imigração também afetaram a força de
trabalho local, especialmente em setores como saúde e agricultura, que dependiam de
trabalhadores imigrantes (WORCESTER, 2022).
No campo político e social, o Brexit exacerbou divisões internas no Reino Unido.
Regiões como Escócia e Irlanda do Norte, onde a maioria dos eleitores preferiu
permanecer na UE, passaram a questionar sua permanência na união britânica,
reacendendo debates sobre independência. A sociedade britânica também
experimentou um aumento nos casos de crimes de ódio e xenofobia, em grande parte
alimentados pela retórica de medo e exclusão disseminada durante o período do
referendo (ALLPORT, 2020).

Conclusão
O uso das redes sociais como ferramenta de manipulação e disseminação de fake news
durante o Brexit destaca uma mudança preocupante nos processos democráticos
contemporâneos. Conforme exposto por Ian Fitzgerald em Estado Profundo, o envolvimento
de forças ocultas no direcionamento da opinião pública britânica aponta para os riscos do uso
indiscriminado das redes sociais sem regulamentação e transparência. O Brexit deixou um
legado de consequências sociais, políticas e econômicas que continuam a reverberar na

sociedade britânica, enfatizando a necessidade de regulamentações mais rigorosas e um
debate ético sobre o papel das plataformas digitais nas democracias. Para evitar futuras
manipulações, é imperativo que haja uma cooperação global voltada para a integridade dos
processos eleitorais e o fortalecimento das políticas de checagem de informações.
Referências
ALLPORT, Gordon W. The Consequences of Brexit for Social Cohesion in the UK. Journal of
Social Issues, v. 76, n. 2, p. 345-360, 2020.
CADWALLADR, Carole; GRAHAM-HARRISON, Emma. Revealed: 50 million Facebook
profiles harvested for Cambridge Analytica in major data breach. The Guardian, 2018.
Disponível em: https://www.theguardian.com. Acesso em: 06 nov. 2024.
FITZGERALD, Ian. Estado Profundo: Como o Poder Oculto Controla o Mundo. São Paulo:
Editora XYZ, 2020.
FROST, Tom; YOUNG, Jonathan. Brexit and the Economic Implications for the UK.
Economics and Political Review, v. 32, n. 1, p. 120-139, 2021.
HOWARD, Philip N.; KOLLANYI, Bence; WOOLLEY, Samuel C. Bots and Automation
over Twitter during the UK EU Referendum. Computational Propaganda Project, University
of Oxford, 2016.
WORCESTER, Robert. The Brexit Aftermath: Changes to Mobility, Employment, and
Education. London Policy Review, v. 15, n. 3, p. 25-47, 2022.

Sobre a autora: Formanda em Relações Internacionais pela UNINTER, foi bolsista PIBIC no projeto “Direitos Humanos na era digital”, Presidente da ANAPRI, pesquisadora sobre gênero e direitos humanos, membro do grupo de pesquisa Mulheres acadêmicas de Relações Internacionais e Ativismo Social da Universidade de Brasília (MARIAS-UnB) e atuante, também, como membro do corpo institucional, atuante na área de Relações Governamentais e Gestão de Projetos Internacionais.