Após quase três anos desde o golpe militar, não se vislumbra melhorias no cenário de Mianmar

por Victória Cristine Ramos

Revisado por: Elaine Silva da Luz, coordenadora de comunicação e redação da ANAPRI

Ao final de janeiro de 2021, os militares de Mianmar, Estado anteriormente conhecido como Birmânia, derrubaram o governo eleito, alegando fraudes eleitorais. Na época, eles detiveram o então presidente do país, Win Myint, ministros, governadores regionais e a líder política vencedora do Nobel da Paz em 1991, Aung San Suu Kyi. Rapidamente o exército suspendeu transmissões de TV, assim como voos domésticos e internacionais. Meios de informações chegaram a noticiar que uma junta militar pretendia se manter no controle durante um ano (G1, 2021). No entanto, após quase três anos, a situação política e civil tem se deteriorado progressivamente, sem a implementação de medidas eficazes para auxiliar o país e seus cidadãos.

Min Aung Hlaing foi o general que passou a controlar o país no momento do golpe. Anteriormente o mesmo havia executado campanhas contra minorias no país, como os rohingyas, os shan e os kokang (G1, 2021). Esse primeiro grupo, uma minoria muçulmana que reside no estado de Rakhine, é extremamente perseguido há muitos anos e enfrenta deslocamentos em massa desde 1960. Hoje eles chegam a ser considerados a maior população apátrida do mundo (Médicos Sem Fronteiras, 2022). Em razão desses acontecimentos, o Estado de Mianmar chegou a ser levado ao Tribunal Internacional de Justiça, em um caso contra genocídios da população durante operações militares entre 2016 e 2017 (Anistia Internacional, s.d). A Corte exigiu que os governantes tomassem medidas para proteger essa minoria contra as atrocidades, mas não houve ações efetivas por parte do governo.

Mesmo após a deposição, representantes do antigo governo, por meio da Liga Nacional para Democracia (NLD), assim como organizações étnicas armadas e a sociedade civil continuaram a se opor ao regime. Ainda assim, prisões contra apoiadores de qualquer movimento anti-militar continuaram a ocorrer. Os militares negaram essas prisões, mas o destino de muitas dessas pessoas continuou desconhecido durante muito tempo. Além disso, crianças e parentes desses indivíduos também foram detidos (Anistia Internacional, s.d.). 

O governo militar continua a impor impasses sobre a liberdade de expressão das pessoas, restringindo seus direitos à privacidade, à informação,  à associação e ao movimento (Anistia Internacional, s.d.). Eles também passaram a confiscar dinheiro e propriedade de indivíduos que apoiem grupos de resistência, ou aqueles que doem dinheiro a pessoas deslocadas internamente, como pessoas da minoria rohingya, por exemplo. Jornalistas também sofreram perseguições e meios de comunicação independentes passaram a ser providos. É válido ressaltar que o governo continua a suspender periodicamente as transmissões de sinais. 

Na última semana de dezembro, a Anistia Internacional (2023) publicou uma matéria sobre as ações ilegais cometidas pelos militares em Mianmar. Segundo o que foi escrito, o exército matou, roubou e deteve civis desde que houve o golpe em 2021. A situação piorou em outubro de 2023, quando grupos étnicos armados lançaram uma ofensiva contra postos militares próximo à fronteira com a China. Essa ofensiva passou a ser chamada de “Operação 1027” (Anistia Internacional, 2023). Segundo informações da ONU, essa ação teria matado mais de 300 civis, ferido cerca de 500 e deslocado mais de 600 mil pessoas. Os conflitos na região continuam a ocorrer, tendo o governo chinês orientado a população que reside próximo à fronteira para evacuar a região, por razões de segurança (Aljazeera, 2023). 

Ainda segundo publicação da Anistia Internacional, no início de dezembro, os militares atacaram o estado de Namkham com munições cluster. Estas são proibidas internacionalmente, já que sua utilização se constitui como um crime de guerra. Em 2022, a organização também havia documentado a utilização do mesmo tipo se munições, sem que até o momento algo tenha sido feito pela comunidade internacional (Anistia Internacional, 2023). Por conta disso, os militares devem ser punidos internacionalmente. 

Quase três anos após o golpe, não parece haver melhoria à vista na vida da população de Mianmar. Com os militares do poder, o país entrou em grave crise humanitária, econômica, social, política e de direitos humanos. Acerca deste último, desde 2021, os direitos humanos no país vem se deteriorando cada vez mais. Além da violação à liberdade de expressão, previamente citada, as forças de segurança no poder aplicam torturas em indivíduos ligados a propostas contra o regime, por exemplo (Anistia Internacional, 2022). O conflito no país perdeu espaço na mídia em decorrência dos demais embates ao redor do mundo e a população segue sofrendo, sem que nada seja feito.

REFERÊNCIAS 

CHINA asks citizens to evacuate Myanmar border area over security risks. Aljazeera, 2023. Disponível em: https://www.aljazeera.com/amp/news/2023/12/28/china-asks-citizens-to-evacuate-myanmar-border-area-over-security-risks. Acesso em: 2 jan. 2024.

CORTE Internacional de Justiça da ONU determina que Mianmar adote medidas para proteger rohingyas. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/01/23/corte-internacional-de-justica-da-onu-determina-que-mianmar-adote-medidas-para-proteger-rohingyas.ghtml. Acesso em: 2 jan. 2024. 

ENTENDA o golpe militar de Mianmar. G1, 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/02/01/entenda-o-golpe-militar-em-mianmar.ghtml. Acesso em: 1 jan. 2024. 

MILITARES tomam o controle do poder em Mianmar e acusam ‘fraude eleitoral’; lideranças do governo são presas. G1, 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/31/liderancas-politicas-de-mianmar-sao-presas.ghtml. Acesso em: 1 jan. 2024.

MYANMAR. Anistia Internacional, [s.d.]. Disponível em: https://www.amnesty.org/en/location/asia-and-the-pacific/south-east-asia-and-the-pacific/myanmar/report-myanmar/. Acesso em: 1 jan. 2024. 

MYANMAR: Military should be investigated for war crimes in response to ‘Operation 1027’. Anistia Internacional, 2023. Disponível em: https://www.amnesty.org/en/latest/news/2023/12/myanmar-military-should-be-investigated-for-war-crimes-in-response-to-operation-1027/. Acesso em: 1 jan. 2024. 

ROHINGYAS: 10 fatos sobre a maior população apátrida do mundo.  Médicos Sem Fronteiras, 2022. Acesso em:  https://www.msf.org.br/noticias/rohingyas-10-fatos-sobre-a-maior-populacao-apatrida-do-mundo/. Disponível em: 2 jan 2024.