Autoria por: Alexandre César Cunha Leite, coautor convidado, Professor no PPGRI/UEPB; PGPCI/UFPB e PPGRI/PUC-MG.
Giovanna Nóbrega, analista de redação da ANAPRI.
Ruth França Ferreira, coautora convidada, Graduanda em Relações Internacionais (UEPB).
Revisado por: Elaine Silva da Luz, coordenadora de comunicação e redação da ANAPRI.
As tentativas anteriores de reformas dos chaebols demonstraram-se insuficientes na regulamentação dessas megacorporações desde o princípio, devido a influência e domínio que os chaebols possuem tanto na política quanto no desenvolvimento econômico sul-coreano. A ausência de uma regulamentação efetiva com relação aos conglomerados culminou em uma série de impactos negativos em diversos aspectos socioeconômicos, como a concentração de renda das empresas controladas pelos chaebols e a disposição de condições desiguais de trabalho entre os trabalhadores de pequenas empresas e dos conglomerados. Dessa forma, agravando a crise da dívida enfrentada pelo país, a medida em que é possível observar um aumento na desigualdade de classes. Com isso, a necessidade de uma nova reforma dos chaebols ressurgiu nas discussões da sociedade sul coreana principalmente por conta desses conglomerados representarem um elemento crucial e complexo na economia do país, mas, ao mesmo tempo, também um grande impasse na competitividade, recuperação e crescimento do mercado nacional e internacional.
Na década de 1990, iniciou-se o processo de desenvolvimento acelerado mundial protagonizado por empresas multinacionais. No caso da Coreia do Sul, essas empresas são controladas por famílias conhecidas como chaebols e foram muito importantes para o desenvolvimento econômico e industrial da Coreia (Masiero, 2003). Apesar de ainda haver discussões sobre quais são as características inerentes a esse modelo de negócio, acredita-se que essas empresas são definidas a partir da presença de diversas empresas afiliadas em diferentes indústrias, do controle determinado por uma família específica e dos negócios da empresa representarem uma grande parcela da economia nacional (Murillo & Sung, 2013). Logo, Chaebols são definidos como várias empresas independentes agrupadas sobre o controle administrativo e financeiro de uma única família (Murillo & Sung, 2013).
Muitos Chaebols surgiram durante o governo de Jung-hee Park (1961-1979). Neste período, o governo implementou um tratamento especial a determinadas empresas, isto é, premiando com projetos exclusivos no setor militar e da construção e arrecadando fundos através da redução de impostos, de subsídios à exportação ou acesso a empréstimos sem garantia (Murillo & Sung, 2013). Essa forma de tratamento foi inspirada nas medidas adotadas pelo governo japonês, do qual a Coréia também herdou esse formato de negócio dos zaibatsus japoneses (Saraiva, 2019). Posteriormente este modelo japonês viria a ser os keiretsus, conhecidos por estarem associados às próprias instituições financeiras, serem mais verticalizados e, logo diferenciando-se dos chaebols (Masiero, 2003).
Segundo Amsden (1992), essa intervenção governamental através de incentivos em setores econômicos realizada pelo Estado é uma particularidade especialmente importante para a Coréia do Sul (Amsden, 1992). Afinal, foi por meio da aliança entre o Estado com a classe industrial que foi possível a regulamentação do setor financeiro e a incorporação de avanços tecnológicos e que, juntamente com reformas educacionais, possibilitaram o crescimento e o desenvolvimento econômico sul-coreano em pouco tempo (Costa, 2015). Portanto, tendo em vista o crescimento de 10% ao ano das exportações e o aumento da importância dos conglomerados no mercado nacional, observa-se como os planos quinquenais, desenvolvidos por Jung-hee, tornaram o modelo econômico do país discutido até os dias atuais e iniciaram o conhecido “Milagre do Rio Han” (Crawford, 2022).
O impacto dos chaebols coreanos tem seu ápice a partir do final da década de 1980, quando o país alcançou um saldo comercial positivo em 1986 e seus investimentos estrangeiros superaram os investimentos feitos no mercado doméstico (Masiero, 2003). Em 1995, os 30 maiores conglomerados eram responsáveis por 40% da manufatura e metade das exportações, entre os quais vale citar que os quatro maiores: Hyundai, Samsung, Daewoo e LG, correspondiam sozinhos a 10% do PIB coreano (Masiero, 2003).
Em decorrência do aumento expressivo do controle exercido pelos chaebols no mercado, a necessidade de regulamentação e inserção desses conglomerados no planejamento econômico nacional torna-se evidente e indispensável para o governo sul coreano nesse período. Com isso, em 1980, ocorre a promulgação do “Monopoly Regulation and Fair Trade Act” que configura-se como o primeiro marco no longo processo de reformas envolvendo os chaebols na Coreia do Sul e, no ano seguinte, também seria estabelecida a organização ministerial “Korea Fair Trade Commission” juntamente ao “Economic Planning Board (EPB)” a fim de monitorar e fiscalizar as práticas empresariais, garantir a concorrência justa, fortalecer os direitos do consumidor e impedir o abuso e a concentração de poder econômico. Desde então, essa comissão fiscalizadora realiza relatórios e estatísticas anualmente em relação aos números de ativos das empresas e reforça a restrição de atividades ilegais como a prática de cross-shareholding entre grandes empresas afiliadas (KFTC, 2020).
A crise financeira asiática de 1997/8 representou outro ponto crucial no entendimento da dinâmica entre os chaebols, os governos e a sociedade sul coreana. Segundo Costa (2015), os anos 1980 haviam sido o período em que o domínio dos chaebols fazia-se presente, no entanto, com a chegada da crise na década seguinte e sob o governo de Kim Young-Sam (1993-1998), a campanha “anti chaebol” crescia no país e transformou o que era antes uma imagem positiva desses grandes empresários em uma imagem negativa recorrente no cenário da opinião pública.
De acordo com Masiero (2002), as práticas que foram consideradas por um certo tempo como as responsáveis pelo crescimento econômico sul coreano, como o alto endividamento das empresas, neste momento de grande instabilidade, começaram a ser vistas como uma das principais causas da crise. Os chaebols também não mantiveram o apoio significativo dos bancos, o que agravou a situação da falta de fluidez e capacidade de recuperação dos conglomerados. Ademais, ao final de 1997, foi solicitado um empréstimo de cerca de US$ 58 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI), demonstrando assim o impacto que os problemas internos das grandes corporações geraram na economia do país.
O governo de Kim, também, foi marcado por um forte discurso de não realizar parcerias com empresários e ser livre de corrupção, o que evidencia alguns sentimentos em relação aos chaebols que perduraram até os dias atuais, como a descrença na responsabilidade dos grupos empresariais e a preocupação política com a possível associação corrupta que eles teriam com o Estado (Lee, 2011).
Apesar de Kim Young-sam ter sido inserido no contexto da crise asiática no final de seu mandato, a figura política que herdou as problemáticas geradas por ela nos anos seguintes foi o ex-presidente Kim Dae-jung (1998-2003). A promoção de profundas reformas no sistema de conglomerados, a liberalização da economia ao mercado externo, as mudanças direcionadas pelo FMI e a implementação de 5 regras para as reformas dos chaebols foram algumas das medidas mais marcantes e substanciais adotadas durante sua governança (Lee, 2000).
O processo de transição de uma economia fortemente ligada aos investimentos estatais para uma economia liberal decorreu de uma atuação e pressão do FMI na adoção de políticas macroeconômicas de aumento da entrada de capital estrangeiro e, ao mesmo tempo, diminuição da presença do Estado no setor econômico nacional. Segundo Guimarães (2010), a desregulamentação incentivada tanto pelos Estados Unidos quanto pelos chaebols também foi um elemento central na decorrência da crise de 1997, tendo em vista a maior probabilidade de crescimento da especulação, assim como o aumento do endividamento interno e externo devido à dificultação do controle governamental dos conglomerados.
Lee (2000) aponta que as críticas direcionadas às reformas promovidas pelo FMI enfatizam que a Coreia do Sul não enfrentava majoritariamente problemas macroeconômicos, mas sim complicações na sua própria estrutura interna entre o governo e os chaebols. Dessa forma, o programa incrementado pelo FMI teria sofrido desaprovação por não ser considerado apropriado na resolução da crise e, além disso, ter gerado efeitos negativos contrários às expectativas de reestruturação econômica nesse período.
Mesmo com as tentativas de bloqueio de reformas pelos chaebols e a crescente liberalização da economia sul coreana (Costa, 2015), o governo de Kim Dae-jung implementou cinco regras que foram um marco decisivo na regulamentação dos chaebols, sendo elas: a consolidação da atividade das empresas em áreas de competência central nos negócios, melhoria das estruturas de capital, eliminação da prática de dívida cruzada entre os conglomerados, aumento da transparência administrativa e aprimoramento da responsabilidade da gestão (Lee, 2000).
As fragilidades apontadas durante o período da crise financeira asiática de 1997 são facilmente retomadas no cotidiano da Coreia do Sul atual à medida que muitos desses conglomerados são constantemente alvos de grandes escândalos de corrupção (Abelha, 2021). Dentre os escândalos, um dos casos mais conhecidos em que vale citar é o caso do chefe do Grupo Samsung, Lee Jae-yong, no qual pagou cerca de US$ 8 milhões para a ex-presidente Park Geun-hye em troca de apoio para fortalecer o seu controle da empresa (Péchy, 2022; Abelha, 2021).
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Condenações de líderes Chaebols
Source: (Abelha, 2021)
Em 2017, Park foi removida do cargo, condenada a 24 anos de prisão e recebeu o perdão do ex-presidente Moon Jae In, enquanto Lee, apesar de denunciado por suborno, conseguiu recorrer e também recebeu o perdão presidencial de Yoon Suk-yeol (Péchy, 2022). Isto é, a ausência de uma condenação adequada, os réus recebendo perdões presidenciais sobre seus crimes, somados ao acúmulo de riquezas proporcionado pelos chaebols auxiliaram a consolidar o descontentamento da população com essas megacorporações, por consequência passaram a exigir mais de seus representantes (Abelha, 2021).
A tendência do pali pali, expressão em coreano normalmente utilizada para representar a rapidez presente na rotina do país e muito defendida por autoridades e empresários, está presente na cultura coreana, foi impulsionada pelo rápido desenvolvimento tecnológico iniciado no governo de Jung-hee e que contribuiu para a rápida industrialização (Crawford, 2022; [WHY] the Highs and Lows of Korea’s Ppalli Ppalli Culture, 2022). Logo, como é muitas vezes associada à modernidade e desenvolvimento, alguns dos símbolos dessa tendência são: a necessidade de uma internet 5G, o moderno sistema de transporte com trens bala, sistema de metrô e ônibus pontuais e o rápido sistema de entregas de restaurantes ([WHY] the Highs and Lows of Korea’s Ppalli Ppalli Culture, 2022).
No entanto, a existência de acidentes causados por falhas estruturais, como o colapso da Sampoong Department Store, fez com que as autoridades reconsiderassem a pressa para o desenvolvimento presente na cultura coreana, focando-se na cautela em realizar os projetos ([WHY] the Highs and Lows of Korea’s Ppalli Ppalli Culture, 2022). Críticas sociais também são apresentadas pela sociedade coreana através de seriados e filmes, em que podemos citar o drama coreano Round 6 e o longa-metragem Parasita. Ambos abordam a desigualdade econômica que assola o país como tema principal a ser discutido, apresentando o endividamento das famílias e a concentração de renda (BBC News Brasil, 2021), pontos que estão associados com a consolidação dos conglomerados e sua acumulação de capital.
Deste modo, as discussões e críticas sociais propostas tanto pelos conteúdos midiáticos quanto pelos governantes demonstram um prosseguimento das problemáticas relacionadas aos chaebols e sua influência na sociedade sul coreana. Um exemplo recente dessas críticas foi a postura do ex presidente Moon Jae-in (2017-2022) durante sua campanha presidencial, tendo como algumas de suas promessas de governo a erradicação de relações corruptas entre os chaebols e o Estado e também um aumento da transparência na administração desses conglomerados.
No entanto, mesmo com o aparente intuito de promover várias reformas e combater essas práticas das grandes corporações, o governo de Moon Jae-in foi marcado pela soltura do herdeiro da Samsung, Lee Jae-yong, condenado por suborno e desvio de dinheiro. A justificativa dada pelo presidente Moon Jae-in sobre esse caso foi a da necessidade de perdão da pena por conta de interesses nacionais. Tal narrativa elucida as contradições e complexidades das relações entre os conglomerados e os governos na Coreia do Sul (BBC News, 2021).
No cenário atual do mandato de Yoon Suk-yeol (2022-), a tomada de medidas críticas referentes aos crimes de corrupção, falta de transparência e problemáticas socioeconômicas geradas pelos chaebols apresenta-se como uma realidade mais distante. O presidente Yoon já declarou abertamente seus posicionamentos “pró chaebol” e, em agosto de 2022, liberou a soltura de 1.373 condenados, entre eles o vice-presidente da Samsung Electronics. Vale ressaltar que essa série de perdões concedidos aos mais diversos políticos e empresários condenados por corrupção também se sustentam com o argumento de serem necessários para os interesses nacionais, evidenciando assim um padrão nas decisões governamentais sul coreanas na manutenção dessa conjuntura de poder político e econômico exercido pelos chaebols.
REFERÊNCIAS
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Sobre a co-autora Ruth França Ferreira: Graduanda em Relações internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), iniciado em 2022 até o momento atual. Membra do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ásia e Pacífico (GEPAP) e do Centro de Estudos em Política, Relações Internacionais e Religião (CEPRIR). Atualmente, é Bolsista de Iniciação Científica do CNPq/UEPB/GEPAP no projeto “A segurança energética chinesa e os investimentos em energia renovável no Nordeste”.
Sobre o co-autor convidado Alexandre César Cunha Leite: Graduado em Ciências Econômicas e mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Possui especialização (pós graduação) em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMINAS), doutorado em Ciências Sociais/Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-doutorado em Ciências Sociais/Relações Internacionais (PPGCP/UFPE) e em Relações Internacionais (PPGRI/PUCMINAS).
Sobre a autora Giovanna Nóbrega: Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) concluído em 2022. Membra do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ásia Pacífico (GEPAP). Foi Bolsista de Iniciação Científica do CNPq/UEPB/GEPAP no projeto “A construção da indústria audiovisual: os filmes como instrumento do Soft Power Sul-coreano” no período de setembro de 2021 a agosto de 2022 e Bolsista de Iniciação Científica do CNPq/UEPB no projeto “Cidadania entre muros: Um olhar contemporâneo” no período de agosto de 2019 a agosto de 2020. Atualmente, atuante como analista de redação da ANAPRI.