Os problemas da Uberização do trabalho no Brasil

Autoria por: Giovanna Nóbrega, analista de redação da ANAPRI.

Revisado por: Elaine S. da Luz, coordenadora de comunicação e redação da ANAPRI.

Segundo a cientista social Ludmila Costhek Abílio, o fenômeno da uberização é definido como uma série de processos que permitiram a reestruturação das formas de trabalho em que a economia digital foi um fator bastante importante. Esses processos, de acordo com ela, não são recentes, porém foram destacados internacionalmente a partir do modelo de organização da empresa Uber (SANTOS, s.d). No caso do Brasil, o fenômeno chegou com a instauração da empresa Uber no país, que foi fundada em 2009 e instaurada no Brasil em 2014, criando um vínculo entre a empresa e o motorista de colaboração (MATA, 2021). De acordo com o relatório “O trabalho controlado por plataformas digitais no Brasil: dimensões, perfis e direitos” realizado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), esse cenário agravou-se com a tendência para o aumento do trabalho em plataformas digitais (MACEDO, 2021). Segundo o relatório, 1,5 milhão de pessoas trabalharam para as plataformas digitais no ano de 2021. Destes, 850 mil são motoristas de transporte de passageiros e 485 trabalharam para Uber (MACEDO, 2021).

Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, Abílio também destaca três pontos que tornam essa definição altamente importante no contexto atual (SANTOS, s.d). O primeiro é que a uberização incentiva a eliminação do vínculo entre patrão e empregado. Em vista disso, vemos que muitos trabalhadores são tratados como donos de microempresas para si próprios e não contam com os direitos provenientes de contratos tradicionais. Dessa forma, influencia no segundo ponto: a necessidade do trabalhador de administrar o próprio tempo de acordo com as demandas do capital, em que ela chama de trabalhador just in time. E, por fim, essa gestão do tempo está associada à flexibilização do tempo e do espaço do trabalhador. 

Em seu artigo “Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado?”, Ludmila aprofunda a sua análise sobre o gerenciamento catalisado pelas plataformas digitais usando o caso de motofretistas da cidade de São Paulo e revendedoras da empresa Natura (ABÍLIO, 2020). Trazendo a ideia de que conceitos como crowdsourcing, sharing economy, gig economy não são recentes, apenas são aprimorados e retroalimentados pela gestão de plataformas digitais. Ela apresenta o caso das revendedoras Natura como um exemplo de como o crowdsourcing demonstra que não há distinção entre espaço de trabalho e casa, apesar de legalmente informal, de maioria feminina e não-valorizado. Com o desenvolvimento tecnológico, essa gestão passa por meio das plataformas digitais e afeta vários setores, com atividades que estão limitadas pelo local onde a atividade será realizada (como exemplo de crowd work, ela cita a Uber) ou não (como exemplo de work on demand ela cita Amazon Mechanical Turk) (ABÍLIO, 2020). Sobre isso, cabe mencionar também que é demonstrado a ligação entre desenvolvimento tecnológico, aumento de desigualdades e aumento da uberização.

No que concerne ao gerenciamento, Abílio apresenta a criação do conceito de trabalhador just in time. Isto é, o trabalhador que tem que estar disponível a todo tempo, reforçando essa capilaridade entre as barreiras do trabalho e da vida privada, porém somente é recompensado por seu trabalho diretamente proporcional a força utilizada. Nesse sentido, ela apresenta como problemas frequentes: alta disputa por mercado, trabalho até exaustão (burn out) e insegurança por estar em uma situação indefinida em comparação quando tinham sido contratados por meio de contrato, em que ela cita o caso dos motoboys, tal como mencionados anteriormente. Dessa forma, ela conclui que essa gig economy, termo usado para definir essa identidade de “trabalho temporário”, reforça esses processos de desigualdades já presentes no mundo e dentro do próprio processo de Uberização (ABÍLIO, 2020).

Referências:

ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização: a era do trabalhador just-in-time?1. Estudos Avançados [online]. 2020, v. 34, n. 98 [Acessado 24 setembro 2022], pp. 111-126. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.008>. Epub 08 maio 2020. ISSN 1806-9592. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.008.

ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado? Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 12-26, abr./jul. 2020.

MACEDO, Davi. Brasil tem 1,5 milhão de trabalhadores por plataformas digitais, revela pesquisa. Brasil de fato, 2022. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/07/24/brasil-tem-1-5-milhao-de-trabalhadores-por-plataformas-digitais-revela-pesquisa>. Acesso em: 27 set. 2022.

MATA, Leandro Ferreira da. A Uberização do trabalho no Brasil: desafios e perspectivas. Jus.com.br, 2021. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/91548/a-uberizacao-do-trabalho-no-brasil-desafios-e-perspectivas>. Acesso em: 26 set. 2022.

SANTOS, R. M. | E. J. V. Uberização traz ao debate a relação entre precarização do trabalho e tecnologia. Disponível em: <https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/6826-uberizacao-traz-ao-debate-a-relacao-entre-precarizacao-do-trabalho-e-tecnologia>. Acesso em: 24 set. 2022.

 

Sobre a autora: Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) concluído em 2022. Membra do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ásia Pacífico (GEPAP). Foi Bolsista de Iniciação Científica do CNPq/UEPB/GEPAP no projeto “A construção da indústria audiovisual: os filmes como instrumento do Soft Power Sul-coreano” no período de setembro de 2021 a agosto de 2022 e Bolsista de Iniciação Científica do CNPq/UEPB no projeto “Cidadania entre muros: Um olhar contemporâneo” no período de agosto de 2019 a agosto de 2020.‌ Atualmente, atuante como analista de redação da ANAPRI.