PÓS-DEMOCRACIA E A CRISE POPULISTA NOS PAÍSES OCIDENTAIS

Autoria por Jessica Hubner, presidente da ANAPRI.

Revisado por Elaine S. da Luz, coordenadora de redação da ANAPRI.

Introdução
Na última década, o cenário político de diversas democracias ocidentais foi marcado
por uma transição para o que alguns autores denominam como pós-democracia.
Este conceito, formulado por Colin Crouch, descreve uma situação em que as
instituições democráticas são mantidas formalmente, mas a participação popular é
limitada, e as decisões políticas são cada vez mais influenciadas por elites
econômicas e políticas (CROUCH, 2004). Paralelamente, o avanço de movimentos
populistas e de extrema-direita em países como Estados Unidos, Brasil e em várias
nações europeias têm reforçado essa crise democrática. O objetivo deste ensaio é
analisar como a ascensão do populismo afeta a estrutura democrática desses
países, discutindo suas consequências para a participação cidadã e a
representatividade política.
Parte 1: Pós-Democracia e o Contexto do Populismo
A pós-democracia surge como uma resposta ao esgotamento da democracia liberal,
onde os mecanismos formais de participação, como eleições e partidos políticos,
permanecem, mas com a substância democrática deteriorada. Crouch (2004)
argumenta que, em sistemas pós-democráticos, a influência econômica sobre a
política torna-se tão significativa que o poder de decisão se distancia dos cidadãos.
Nesse contexto, o populismo se apresenta como uma alternativa, prometendo
resgatar a “vontade do povo” das elites, mas frequentemente distorcendo a prática
democrática (MÜLLER, 2016).
A ascensão do populismo de direita pode ser observada nos Estados Unidos, com a
eleição de Donald Trump em 2016. Sua retórica antissistema e suas críticas às elites
governamentais mobilizaram uma parcela significativa da população americana que
se sentia excluída do processo político (LEVITSKY e ZIBLATT, 2018). No Brasil, o
fenômeno foi similar, com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, cuja campanha
explorou o desencanto popular com a corrupção política e as deficiências do sistema
democrático (GENTILLI, 2020). Ambos os casos ilustram como o populismo explora
os sentimentos de desilusão popular para promover lideranças autoritárias que
minam as instituições democráticas.
Parte 2: Europa e a Expansão do Populismo
Na Europa, países como a Hungria e a Polônia têm sido palco de movimentos
populistas que enfraquecem a democracia por meio de reformas jurídicas e
constitucionais. Viktor Orbán, na Hungria, por exemplo, estabeleceu o que chama de

“democracia iliberal”, concentrando o poder e limitando a atuação da mídia e de
opositores políticos (KAGAN, 2019). Na Polônia, o partido Lei e Justiça (PiS) tem
adotado políticas de controle sobre o judiciário e a imprensa, consolidando seu
domínio político e, consequentemente, ameaçando o Estado de Direito
(GRZEGORCZYK, 2020).
Esses exemplos europeus evidenciam como o populismo de direita se vale de
estratégias institucionais para reduzir a autonomia democrática e fragilizar as
liberdades civis. Em muitos casos, esses governos justificam suas ações em nome
da soberania nacional, argumentando que estruturas supranacionais, como a União
Europeia, representam interesses alheios ao “povo” nacional, reforçando a retórica
populista de rejeição às elites globais.
Parte 3: Consequências para a Democracia e o Futuro da
Pós-Democracia
A consolidação de governos populistas de extrema-direita nos Estados Unidos,
Brasil e Europa traz consequências significativas para as democracias. Entre os
principais impactos, destaca-se a erosão das instituições democráticas, como o
sistema judiciário, a liberdade de imprensa e os direitos civis, que são enfraquecidos
para permitir maior controle do poder executivo (LEVITSKY e ZIBLATT, 2018). Essa
crise institucional resulta em uma desconfiança crescente das populações em
relação ao processo democrático, além de fomentar um ambiente de polarização e
intolerância.
Outro impacto relevante é o enfraquecimento da governança democrática. Governos
populistas frequentemente preferem tomar decisões sem consultar o parlamento,
concentrando o poder em poucas mãos e ignorando princípios como transparência e
prestação de contas. Isso é visível, por exemplo, na gestão de Donald Trump, que
frequentemente confrontava e deslegitimava órgãos reguladores e de controle em
seu governo (MÜLLER, 2016). Esse padrão é semelhante na administração de Jair
Bolsonaro, cujas ações sugerem uma ameaça à imparcialidade e independência do
judiciário e de outras instituições democráticas no Brasil (GENTILLI, 2020).
Conclusão
A ascensão do populismo e da extrema-direita em contextos pós-democráticos
evidencia a crise da democracia liberal e representa um desafio à resiliência das
instituições democráticas. Ao promover a ideia de um “nós contra eles”, os líderes
populistas de extrema-direita minam a coesão social e promovem o descrédito nas
instituições democráticas. A sustentabilidade das democracias ocidentais
dependerá, em grande medida, da capacidade de reverter o distanciamento entre o
povo e o poder político, reforçando mecanismos de participação efetiva e limitando o

poder excessivo de elites econômicas sobre as decisões políticas. Assim, a
pós-democracia, com sua face populista, revela-se não apenas um diagnóstico, mas
um desafio contínuo para a democracia nos tempos atuais.

Referências
● CROUCH, Colin. Post-Democracy. Cambridge: Polity Press, 2004.
● LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. Rio de
Janeiro: Zahar, 2018.
● MÜLLER, Jan-Werner. O que é Populismo?. São Paulo: Companhia das
Letras, 2016.
● KAGAN, Robert. The Jungle Grows Back: America and Our Imperiled World.
Nova York: Alfred A. Knopf, 2019.
● GRZEGORCZYK, Tomasz. “Populism, Authoritarianism, and Democracy in
Poland”. Journal of Democracy, v. 31, n. 2, 2020, p. 127-139.
● GENTILLI, Bruno. A Nova Direita e a Crise do Sistema Político Brasileiro. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2020.

Sobre a autora: Formanda em Relações Internacionais pela UNINTER, foi bolsista PIBIC no projeto “Direitos Humanos na era digital”, Presidente da ANAPRI, pesquisadora sobre gênero e direitos humanos, membro do grupo de pesquisa Mulheres acadêmicas de Relações Internacionais e Ativismo Social da Universidade de Brasília (MARIAS-UnB) e atuante, também, como membro do corpo institucional, atuante na área de Relações Governamentais e Gestão de Projetos Internacionais.