Tecnologia na promoção da guerra entre Israel e Hezbollah

Autoria por Maria Eduarda Piaba Ramos, analista de redação da ANAPRI.

Revisado por Elaine S. da Luz, coordenadora de comunicação e redação da ANAPRI.

Nos dias 17 e 18 de setembro de 2024, o Líbano mais uma vez se tornou o palco de duelos de artilharia entre os exércitos do Hezbollah e de Israel, que vem acontecendo desde o ínicio da guerra em Gaza, culminando nas recentes explosões que causaram comoção e repercussão internacional. Centenas de pagers — aparelho que possibilita trocas de mensagens de texto, cuja suas raízes se deram nos anos de 1980 e 1990 —, e walkie-talkies — criados durante a Segunda Guerra Mundial com o intuito de comunicação por voz via ondas de rádio —, pertencentes ao grupo extremista Hezbollah explodiram em conjunto no sul de Beirute, no leste do Líbano e na fronteira sul, resultando em 37 mortes e mais de 2.900 feridos (Brasil de Fato, 2024).

Com 2 ondas de explosões, o Ministro da Saúde do Líbano, Firass Abiad, disse à Al Jazeera que a segunda onda foi mais mortífera — não só em comparação com a primeira onda, mas também dos acontecimentos que envolviam o Hezbollah desde o início da guerra entre Israel e Hamas — porque os walkie-talkies são aparelhos mais volumosos, além de terem sidos acionados em locais públicos. Estes foram incorporados nas milícias do grupo extremista, juntamente com os pagers, por receios atrelados a segurança das suas comunicações e localizações, ao perderem vários integrantes em bombardeios israelenses nos últimos meses. 

Segundo a imprensa estadunidense, ao ter acesso a diferentes fontes governamentais (G1, 2024), mesmo com as medidas preventivas adotadas pelo movimento Hezbollah, o Serviço de Inteligência Insraelense, Mossad, conseguiu implementar explosivos associados às baterias e pré-programar o horário de explosão — detonada a partir de um código em específico —, antes mesmo que a compra fosse efetuada. Isso, segundo John Hannah (Brasil de Fato, 2024), do Instituto Judaico de Assuntos de Segurança Nacional dos Estados Unidos, demonstrou a habilidade aprimorada de Mossad, além de sua capacidade de se adentrar nas redes privadas de seus inimigos. Ademais, questionamentos que permeiam sobre a produção destes aparelhos e a forma como hackearam se tornaram recorrentes, uma vez que, a partir dos moldes capitalistas de destrinchamento das cadeias produtivas através das multinacionais, momentos inoportunos poderiam surgir, já que os equipamentos haviam sido importados ao Líbano da Gold Apollo, fabricante de pagers com sede em Taiwan, que na verdade informou que foram fabricados por uma empresa sediada em Budapeste. Logo, os pagers foram produzidos pela BAC Consulting KFT, sediada na capital da Hungria e os walkie-talkies na empresa japonesa ICOM, o que dificulta o rastreamento no fatídico feito.  

Vale ressaltar que estes acontecimentos embasaram a fala do Ministério da Defesa de Israel (Brasil de fato, 2024) que relatou que o foco da guerra está sendo redirecionado para o norte do Líbano, por ser a maior base de atuação do Hezbollah, na fronteira com o Líbano. Além disso, através do ocorridos vigentes, preocupações são intensificadas, principalmente por parte da população que teme pela sua própria vida e segurança, já que o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, interpretou tal feito como uma declaração de guerra, abrindo espaço para uma retaliação. Ao analisar tal fato, o que é aclarado é que a população libanesa está à mercê das posturas e estratégias bélicas adotadas pelas duas instâncias, que acaba por gerar preocupação e pânico, além de uma intensificação nos fluxos migratórios, uma vez que instrumentos cotidianos e civis, como celulares, foram utilizados para a promoção do acirramento da guerra —  governo libanês proibiu a entrada de pagers e “walkie-talkies” em voos do país e alguns moradores deixaram de utilizar os dispositivos, segundo a imprensa local (G1, 2024). 

Outrossim, como supramencionado, o ocorrido não só gerou impactos nacionais, como também internacionais, integrando a Organização das Nações Unidas (ONU) no intuito de agilizar ou ao menos impedir que tais acontecimentos se repitam, levando o  secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, a condenar o uso de mecanismos deste cunho como arma de guerra, e o governo do Líbano reuniu no Conselho de Segurança, no dia 20 de setembro, para tratar deste assunto. Logo, as explosões acima citadas trouxeram à tona discussões sobre segurança, ciberataques e o papel da ciberguerra nos conflitos contemporâneos, em que o último tem sua origem e desenvolvimento no desenrolar das guerras, bem como na revolução informática e na sua difusão (1980/1990), o que propiciou transformações no cerne dos conflitos e de suas estruturas, bem como na influência do imaginário militar, como doutrinas e estratégias, desde a Guerra Fria (Lobato, Kenkel, 2015). 

É através da modernização destes meios, juntamente com a associação deste imaginário militar que as ciberguerras se demonstram cada vez mais presentes nas guerras vigentes pela facilitação e pelo aumento da proporção dos estragos da mesma, possibilitando tanto o uso convencional dos meios de guerra, como a utilização de redes digitais para sabotar operações ou sistemas de defesa antiaérea, quanto no próprio aspecto do ciberespaço, como meio de intrusão e ruptura de sistemas de informação e comunicação — como visto.

A título de conclusão, as explosões dos dispositivos de comunicação do Hezbollah representaram e representam um novo capítulo na escalada de tensões no Oriente Médio e evidenciam a crescente importância da ciberguerra — neste caso, de caráter operacional — nos conflitos vigentes. A manipulação de dispositivos civis para fins militares não só intensifica a instabilidade na região, como também coloca em risco a população civil, ressaltando a necessidade de se elaborar e aprimorar em abordagens mais amplas e eficazes, que atendam as especificidades dos acontecimentos. Enquanto o Líbano lida com as consequências desse ataque, o episódio demonstra que, no contexto da ciberguerra, o campo de batalha se expande para além do físico, afetando diretamente a segurança e o cotidiano das pessoas.

REFERÊNCIAS 

Israel aprova nova ofensiva no norte e bombardeia sul do Líbano; Número de mortos por explosões de ‘walkie-talkies’ sobe para 25. G1 GLOBO, 19 set.2024. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/09/19/numero-de-mortos-por-explosoes-de-walkie-talkies-do-hezbollah-no-libano-sobe.ghtml> acesso em: 23 set. 2024.

 

LOBATO, Luisa; KENKEL, Kai Michael. A Ciberguerra é moderna! Uma investigação sobre a relação entre tecnologia e modernização na guerra. Contexto Internacional, v. 37, n. 2, p. 629-660, 2015. Disponível em:: <https://www.scielo.br/j/cint/a/RQqF3Ztm49nqj4BqKPJGF5J/?lang=pt#> acesso em: 23 set. 2024.

O que se sabe sobre as explosões de pagers e walkie-talkies que mataram 37 pessoas no Líbano. Brasil de Fato, 12 set. 2024. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2024/09/19/o-que-se-sabe-sobre-as-explosoes-de-pagers-e-walkie-talkies-que-mataram-37-pessoas-no-libano> acesso em: 23 set. 2024.

 

Walkie-talkies que explodiram no Líbano são japoneses e já saíram de linha. CNN Brasil, 19 set. 2024. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/walkie-talkies-que-explodiram-no-libano-sao-japoneses-e-ja-sairam-de-linha-veja-detalhes/#:~:text=Novas%20explos%C3%B5es%20foram%20registradas%20no,nesta%20quarta%20s%C3%A3o%20walkie%2Dtalkies> acesso em: 23 set. 2024.

 

Sobre a autora: Graduanda de Relações Internacionais e Integração na UNILA, voluntária no projeto de Iniciação Científica sobre a influência do Cinturão e Rota na América Latina e no Observatório do BRICS. Analista de Redação na ANAPRI. 

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